"Eu sei que a política – e a política de oposição – tem de continuar a ser feita todos os dias, com crise ou sem crise. Mas talvez eu esteja errado seja a cultura de oposição entre nós e a própria forma de fazer politica. Um estudo recentemente divulgado diz que só 28,5% dos eleitores portugueses estão satisfeitos com a democracia. O numero é, sem duvida chocante, mas deve ser visto no seu contexto e o contexto é a maneira de pensar do Zé Povinho. Os portugueses confundem a qualidade da democracia com varias outras coisas que não tem a ver com isso: a sua situação pessoal, a situação económica, a qualidade da representação politica. A democracia não governa necessariamente melhor nem pior do que a ditadura, nem resolve melhor ou pior os problemas pessoais de cada um ou a situação económica – embora haja vários estudos que comprovam que, em África, por exemplo, os países economicamente mais desenvolvidos são aqueles onde a democracia está mais implantada. Mas o que a democracia tem de diferente da ditadura é que os erros, a má governação, a corrupção, são publicamente expostos e livremente criticados e a todo o tempo pode-se punir politicamente os responsáveis e mudar o pessoal.
A qualidade do pessoal político e os seus usos e costumes é o que determina a qualidade da democracia – e esse é o segundo erro de análise política do português comum, quando interrogado em inquéritos destes. O português acha sempre que o país se divide entre ‘eles’ – os políticos – e ‘nós’, os eleitores. E que ‘nós’ somos infinitamente melhores, mais puros e mais honestos do que ‘eles’ – os quais, sem excepção, só vão para a política para se servirem e não para servirem o pais. O país comum, em auto-retrato, é um cidadão exemplar: trabalha que se desunha, nunca faz ronha nem mete falsas baixas, não aldraba o patrão nem os vizinhos, não esconde um euro dos impostos, preocupa-se com a comunidade, pensa sempre primeiro nos interesses do país antes de pensar nos seus próprios. Mas, desgraçadamente, é servido por políticos que são o oposto disto. Por isso, não está ‘satisfeito’ com a democracia.
Em retribuição, o grosso da classe política tem tanta consideração pelo povo quanto o povo tem por eles. A diferença é que não alimenta ilusões: sabe que representa o espelho fiel da nação, que, aliás, lhe cabe representar. O que é grave, no tal estudo, não é, pois, que menos de 30% dos eleitores se declaram satisfeitos com a democracia; é que só 60% dos deputados digam isso também. Grave não é que quase 40% dos deputados do PSD tenham faltado a uma votação em que poderiam ter chumbado a avaliação de professores, tal como defendida pelo Governo; grave é que os outros tenham votado de acordo com as ordens dos partido e apesar delas consistirem no oposto do que o partido sempre defendeu e defenderia se fosse governo hoje.
Quando, no centro de uma crise económica mundial sem precedentes, o que mais preocupa o maior partido da oposição é acusar o primeiro-ministro de não a ter previsto, de ser culpado dela em Portugal e de não ser suficientemente pessimista, apetece quase dizer, como diriam os 70% de portugueses insatisfeitos com esta democracia: quem tem uma oposição destas escusa de ir a votos."
Miguel Sousa Tavares, in Expresso 13 de Dezembro de 2008
A qualidade do pessoal político e os seus usos e costumes é o que determina a qualidade da democracia – e esse é o segundo erro de análise política do português comum, quando interrogado em inquéritos destes. O português acha sempre que o país se divide entre ‘eles’ – os políticos – e ‘nós’, os eleitores. E que ‘nós’ somos infinitamente melhores, mais puros e mais honestos do que ‘eles’ – os quais, sem excepção, só vão para a política para se servirem e não para servirem o pais. O país comum, em auto-retrato, é um cidadão exemplar: trabalha que se desunha, nunca faz ronha nem mete falsas baixas, não aldraba o patrão nem os vizinhos, não esconde um euro dos impostos, preocupa-se com a comunidade, pensa sempre primeiro nos interesses do país antes de pensar nos seus próprios. Mas, desgraçadamente, é servido por políticos que são o oposto disto. Por isso, não está ‘satisfeito’ com a democracia.
Em retribuição, o grosso da classe política tem tanta consideração pelo povo quanto o povo tem por eles. A diferença é que não alimenta ilusões: sabe que representa o espelho fiel da nação, que, aliás, lhe cabe representar. O que é grave, no tal estudo, não é, pois, que menos de 30% dos eleitores se declaram satisfeitos com a democracia; é que só 60% dos deputados digam isso também. Grave não é que quase 40% dos deputados do PSD tenham faltado a uma votação em que poderiam ter chumbado a avaliação de professores, tal como defendida pelo Governo; grave é que os outros tenham votado de acordo com as ordens dos partido e apesar delas consistirem no oposto do que o partido sempre defendeu e defenderia se fosse governo hoje.
Quando, no centro de uma crise económica mundial sem precedentes, o que mais preocupa o maior partido da oposição é acusar o primeiro-ministro de não a ter previsto, de ser culpado dela em Portugal e de não ser suficientemente pessimista, apetece quase dizer, como diriam os 70% de portugueses insatisfeitos com esta democracia: quem tem uma oposição destas escusa de ir a votos."
Miguel Sousa Tavares, in Expresso 13 de Dezembro de 2008
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