Monday, April 5, 2010

Números. Números apenas.



Suicídios de idosos duplicam desde 2000. Este era o título da notícia (pequenina aliás) que chegou na capa do Jornal Expresso deste fim-de-semana.
Domingo, no final do dia, quando finalmente senti o fim-de-semana, parei nesta notícia. Detive-me nas letras. Li e reli este mesmo título mais do que uma vez. Depois, e só depois, de arrumar a comoção em desalinho, avancei com as mãos e com o olhar para a página 26 e permaneci por lá…
Deixo-vos alguns números e algumas palavras que me acertaram como se de uma arma se tratassem.

Em 2008, 456 idosos suicidaram-se em Portugal. No início da década, a desesperança forçou 242 idosos a anteciparem o fim. Podemos concluir que, em oito anos, quase duplicou o suicídio entre os mais velhos.
A solidão, a doença, as dores intensas, a limitação na mobilidade, as dificuldades económicas, a sopa quente que por vezes não chega, a depressão e acima de tudo, mas acima de tudo mesmo, o desamor. Sim, a falta de carinho, de atenção, de tempo, de laços… a falta de amor atira os mais velhos para uma angústia demasiado grande. Demasiado pesada para um corpo tão frágil! Para um corpo demasiado cheio de perdas.
Na velhice, é frequente viver a perda do(a) companheiro(a) de uma vida, que representa para os idosos, a perda de um pedaço do seu corpo, um pedaço da sua história. Esta perda traduz-se numa verdadeira amputação. E é esta dor que vai crescendo até não ter espaço, e, não caber num corpo mirrado pela idade e pelas amarguras de uma vida! Neste momento, fica muito fácil desistir… e não param de desistir (assim falam os números), mesmo quando estão, já tão perto do fim!

«Há quem desabafe durante horas, com a arma na mão ou um frasco de comprimidos sobre a mesa. Desfiam uma vida feita de desgraças, choram e pedem ajuda. Relatam como perderam o emprego ou como a crise os obrigou a fechar a empresa, como lutam contra uma doença terminal ou como viram a família desfazer-se em pó de heroína. E depois há os que não dizem nada. São quase sempre os idosos. “Ligam e dizem muitas vezes ´Era só para dizer boa noite` ou ´Desculpe, só queria ouvir uma voz antes de dormir´. É a expressão mais brutal da solidão” conta Maria, 62 anos, voluntária da Linha SOS Voz Amiga (213 544 545). “São chamadas de fim de linha”, resume.»

Porquê? Questiono-me. Terá mesmo de ser assim? Não haverá outro caminho? Porquê, e para quê precipitar o fim? E, é no meio destas dúvidas que me surgem outras: teremos sido nós – filhos, netos e sobrinhos – a voltar-lhes as costas? Teremos nós desistido dos mais velhos? Teremos nós, nesta anciã de viver a felicidade numa beleza eterna, que fechemos a porta à nossa história, às nossas memórias de vida, à nossa mãe?... Teremos, ou não?!

São estas ideias fixas, que me atormentam. Acredito e sinto, que estes sim, são os verdadeiros problemas. São meus. São teus e são de quem me ouve (se é que conseguiu ler-me até aqui!!!). São estes sinais e sintomas que retratam a nossa sociedade. Uma sociedade verdadeiramente indisposta! Brutalmente doente!

“Estava suspenso, de costas viradas para o mundo. Alto, esguio, de cabelos cor de sal. Roupão de cetim a cobrir pijama de flanela. Era Janeiro, o céu triste, sombrio, grávido de nuvens. Os pés descalços a dois andares do chão. O roupão a balançar na manhã fria. E, ainda assim, uma certa altivez. Há coisas que nem a morte consegue matar.”

“ Flávio, o vizinho, foi buscar um banco, subiu e espreitou pela janela aberta. Viu-a sentada, com um buraco no peito. A amarrá-la ao cadeirão, impedindo-a de cair na sequência do tiro, estava o cinto do roupão. A seu lado, para simplificar formalidades, vários documentos e uma carta á sobrinha. A arma ficou no chão, a hora que a que Francelina disparou ninguém sabe.”

“ Cândido não queria ser um fardo para ninguém”, e numa tarde de sol, lá pelas, 15h30 e sem que ninguém suspeitasse, Cândido terá aberto a porta de sua casa, ter-se-á abeirado da estrada que atravessa a aldeia onde vivia, e de frente para todos os que passavam, encostou a caçadeira à cabeça e disparou.

Magoa-me.
Com um vazio no coração, ajoelho-me com o olhar e com as palavras!

1 comment:

Anonymous said...

Doeu ler-te. A solidão que se sente é quase loucura! Morremos todos os dias!
Cristina gostei da forma como apresentas-te este assunto doido :)

P.S. Já bebes-te a água toda???
Beijinho

JMC