Saturday, March 31, 2012

Mulher

Ó Mulher! Como és fraca e como és forte!
Como sabes ser doce e desgraçada!
Como sabes fingir quando em teu peito
A tua alma se estorce amargurada!

Quantas morrem saudosas duma imagem
Adorada que amaram doidamente!
Quantas e quantas almas endoidecem
Enquanto a boca ri alegremente!

Quanta paixão e amor às vezes têm
Sem nunca o confessarem a ninguém
Doces almas de dor e sofrimento!

Paixão que faria a felicidade
Dum rei; amor de sonho e de saudade,
Que se esvai e que foge num lamento!


Florbela Espanca

Saturday, March 3, 2012

Por um punhado de sons...




Entrei no quarto e abri um sorriso, o mesmo que me devolvias naquele momento, e com toda a certeza o mesmo que partilhámos, anos e anos. Muitos. Muitos anos antes! Lá para trás, no tempo, em que o tempo não era tempo para nós. Mas, de volta ao hospital, entrei então, e ficámos os dois. Ficámos. Olhámo-nos e seguramos as mãos… Assim, como que a segurar as
lembranças doces e amenas, a segurar as correrias na terra, os banhos no rio, os joelhos arranhados e as mesas fartas naqueles verões tão quentes… E o avô… Naquele tempo, os dias eram muito grandes e existiam muitos mais perto de nós! Naquele tempo eramos muitos. Eramos tantos. "Lembraste Fernandito?" Existia, a nossa avó, e existiam com ela, as madrugadas do nascer do sol. Levantávamo-nos ainda de noite, e caminhávamos muito, sempre com a lua por companhia. “Tem de ser neste monte e neste sítio”. Dizia a avó Elaine, nós acedíamos. “Só aqui se pode ver verdadeiramente o nascer do sol!” Repetia a avó. Ficávamos, então, esticados na
erva, de barriga para baixo a sentir o sol a aquecer-nos a pele. Que delicia! Que momentos tão gulosos esses…
(...)
Depois, contigo, fechei os olhos também, as mãos unidas e as grades a separem-nos, disseste: “Foi um contratempo na minha vida!”. Beijei-te, não podia usar as palavras porque não te chegam agora... Por isso, encostei a minha cabeça à tua e fiquei! Baixinho disseste: “Doente
oncológico… tudo bem! Doente com uma visão muito reduzida… tudo bem também! Mas não ouvir! Perder a audição…! Isso não! Amanhã vou estar melhor!”. Abracei-te o que pude. E beijamo-nos.
“Vou indo, Fernandito!”, consegui comunicar, com as mãos e com o olhar. À saída, senti-te: “Tininha até ao nosso reencontro!”
Amo-te! Disse com os lábios e com o coração.
Sai do quarto e, nesse momento, chegaram as lágrimas que guardo em mim...