Monday, November 12, 2007

Deveríamos viver nesse caminho

Pedro Cavadas, cirurgião, efectivou um transplante bilateral de mãos - o primeiro em todo o mundo -, numa mulher, Alba, o seu nome. Este gesto atirou Cavadas, de 42 anos, para a literatura científica internacional. Com residência em Valência, engrandece a cirurgia, de hoje - a mais avançada -, e move-se numa área, ainda, polémica, a cirurgia de transplantes de tecido composto. Pedro Cavadas prepara-se agora para um transplante de cara, o quarto a ser realizado a nível mundial. Em França executaram-se dois, um em Lyon e outro em Paris, este último efectuou-se há muito pouco tempo, um caso muito bem executado, segundo Cavadas; o terceiro transplante decorreu na China, sobre este existem, ainda, poucos dados consistentes. Contudo, são transplantes parciais, pois parece que ainda ninguém se atreveu a fazê-los na sua totalidade.
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Trata-se de um percurso aplicado, brilhante, atento e sonoro o deste jovem médico, com um dia-a-dia inacessível, ou não integrasse um dos sete grupos, a nível mundial, na cirurgia de transplantes de tecido composto (CTA), chega a fazer 1300 operações por ano na sua clínica. "Nunca fiz cosmética, é uma das coisas de que me faço gala. Não gosto de futebol, não fumo e não faço cirurgia cosmética; são as minhas três conquistas", clarifica Cavadas. Mas, o que destaca Pedro Cavadas, para um plano superior, onde muito poucos chegam, é a sua entrega à causa humanitária. Hoje opera mutilações no Quénia e no Uganda, onde tem de levar literalmente tudo, a maioria dos hospitais apresentam-se barracas, com bichos a andar pelo chão e onde as moscas, simplesmente, fixaram residência. Na periodicidade de uma a duas vezes por ano, porque as viagens da sua equipa ficam muito dispendiosas, Cavadas faz cirurgia reconstrutiva gratuita em crianças e adultos no continente africano. Por vezes, chega a trazer crianças para Espanha, bem como alguns dos seus familiares e hospeda-os na sua casa, em Valência, durante meses, enquanto recuperam do pós-operatório.
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São muitas as histórias de vida, vividas, que fizeram deste homem uma pessoa renovada. "Existe um antes e um depois de África", sublinha Cavadas. Acreditamos. Acreditamos todos!
A sua causa passa pela ética da espécie na ajuda ao próximo. "Podemos viver de costas voltadas para a nossa espécie, mas há coisas que não mudam com as culturas, as religiões ou as épocas históricas, que é um ser humano ajudar o outro".
Chega a ser comovente a grandeza da sua integridade e altruísmo. Cavadas abdicou do supérfluo, há anos atrás coleccionou carros de luxo, vendeu tudo, para se concentrar no essencial: "Um ser humano que estende a mão a outro ser humano porque acredita fazer o que deve", defende que este caminho, por si eleito, é um trilho ético e honesto, ontem, hoje e dentro de cem anos. Quanto às filhas, duas meninas chinesas e referindo-se a África, "Adorava que um dia fossem comigo, para que comparem e relativizem, mas ainda são pequeninas".
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São valores que permanecem na natureza humana, disponíveis a todos. Uns aproveitam.
Valores que atravessam os tempos e nos unem no mesmo caminho, com o mesmo sentido.
In Jornal Expresso, 27 de Outubro de 2007, Revista Única

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