Sunday, February 3, 2008

Reprieve


A lei internacional é clara: nenhum avião estrangeiro pode sobrevoar território nacional sem o consentimento do Governo.

Em 2006 o Governo português respondeu ao secretário-geral do Conselho da Europa – Terry Davis -, a propósito de prisões secretas e transporte de suspeitos de terrorismo, não haver: “evidência de qualquer envolvimento das autoridades portuguesas ou agentes do Estado em privações de liberdade e transportes ilegais”, bem como, “não havia provas que qualquer aeronave utilizada para transferências de suspeitos tenha usado o espaço aéreo português”. Acontece que estas afirmações nada têm a ver com o relatório da Reprieve, onde se pode ler “centenas de prisioneiros terão alegadamente passado por território português sem oposição do Governo de Lisboa”.
(in Jornal Expresso, 02 de Fevereiro de 2008)
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A Reprieve é uma organização não-governamental fundada por Clive Stafford Smith, em 1999, para dar apoio legal a reclusos vítimas de abusos e injustiça. Clive Smith nasceu no Reino Unido mas estudou nos EUA, formando-se em Direito. Presentemente representa dezenas de prisioneiros em Guantanamo e trabalha activamente em campanhas pela sua libertação, assim como, contra as condições de detenção em Guantanamo. Desta forma, Clive Smith coagiu George W. Bush a aceitar o acesso de advogados aos prisioneiros de Cuba. Muitos têm beneficiado desta singular ajuda, ainda em Dezembro último, foram libertos, por interferência da Reprieve, Omar Deghayes, Jamil el Banna e Abdennour Sameur, após vários anos encarcerados por suspeita de terrorismo, na ilha cubana. Esta organização apresenta, agora, filiais nos EUA, Austrália e Holanda.
Ainda pelas palavras de Clive Smith, director da ONG Reprieve: “Contudo, posso identificar 728 prisioneiros que foram transportados – algemados, encapuzados e, muitas vezes, espancados – em aviões norte-americanos, que sobrevoaram o espaço aéreo português a caminho da prisão na Baía de Guantanamo. Eles representam 94% das pessoas que foram para àquele lugar sem lei. Pelo menos nove aeronaves americanas fizeram escala nos Açores antes de continuarem a sua viagem para o «buraco negro legal»“; “O Governo português teve certamente conhecimento deste processo, ou então permitiu que aviões militares estrangeiros sobrevoassem o seu território sem permissão”; “Não lhes peço que condenem o vosso Governo sem que se cumpram os devidos procedimentos. Isso é o que a Administração Bush faz aos prisioneiros que representamos. Em vez disso, o Governo português deveria falar abertamente ao país e apurar a verdade. Se o Governo não disser a verdade terá inevitavelmente de enfrentar uma sala de audiências. E a Convenção Contra a Tortura não tem fronteiras, por isso não poderá escolher onde será processado”.
(in Jornal Expresso, 02 de Fevereiro de 2008)
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Perante isto, invoco a memória e encontro, precisamente há um ano atrás, a eurodeputada Ana Gomes na posse de documentos e testemunhos que atestavam que prisioneiros passaram pelo espaço aéreo português, nos Açores. Recordo também de que toda a documentação, por Ana Gomes reunida, aconteceu sem a colaboração do Governo português, na época, de José Sócrates. Contudo, este assunto toca em outros Governos, liderados por: Durão Barroso e Santana Lopes. Apesar dos muitos embaraços – o assunto merecia analise e discussão, cuidadas, ou então, já estaria devidamente esclarecido, o que não é verdade, há luz do recente relatório da Reprieve –, Pinto Monteiro, Procurador-Geral da República, aceitou reunir-se com Ana Gomes a seu pedido. Na época.
Questionei-me e questiono-me: não deveria ter sido o Governo a tomar a iniciativa no sentido de esclarecer os factos ao pormenor, num assunto tão sério como este? Agora, Pinto Monteiro, a título de resposta, pretende adiar a conclusão do inquérito, prevista para Fevereiro, sobre o papel do Estado português. Tudo isto, depois de afirmamos, na voz dos oito Ministros dos Negócios Estrangeiros, que de Janeiro de 2002 a Maio de 2006 não tivemos conhecimento da passagem por Portugal de prisioneiros de ou para Guantanamo. E, fomos mais longe, Luís Amado, Ministro dos Negócios Estrangeiros e ex-Ministro de Defesa de Portugal, no ano passado, em conferência de Imprensa, em Lisboa, afirmou que as investigações relacionadas com voos ilegais da CIA estavam concluídas, porque nada tinha sido encontrado que justificasse o prolongamento do inquérito.
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Mas que grande confusão!
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Agora percebo porque é que Thomas Hammarberg (comissário para os Direitos Humanos do Conselho da Europa) quis dizer quando proferiu as seguintes palavras:”Ou Portugal prova que o relatório está errado ou clarifica o seu papel”.
(in Jornal Expresso, 02 de Fevereiro de 2008)
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Afinal Reprieve veio confirmar as suspeitas de Ana Gomes!

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