Friday, August 1, 2008

o homem que está...


a morrer da escrita


“Enterneço-me mais com a perdição das mulheres do que com as dos homens. As mulheres sobrevivem muito mais, lutam muito mais, resistem muito mais. Mas se tiverem de morrer fazem-no sem tanta hesitação. Isso fascina-me, seduz-me e enternece-me.”

“Cresci muito calado. O que me entretinha eram as conversas dos outros. Fui guardando personagens dentro da minha cabeça, tonalidades. Aquilo que mais me impressiona tem que ver com as pessoas simples, que aparentemente parecem menos dotadas para a luta da vida e que vistas de perto são as mais resistentes.”

“Tenho uma concepção estranha da morte; acho que é a nossa grande oportunidade. Se não for a morte que nos leva a algum lugar absolutamente incrível, não vai ser rigorosamente mais nada.”

“Tenho esse fascínio de saber o que acontece no momento em que desliga a máquina. Dia sim, dia não acredito na vida depois da morte. Não consigo escapar à ponderação desse momento.”

“Quando a minha mãe soube que eu fugia da escola convenceu-me ao dizer que se fosse à escola ia aprender a guardar as coisas dentro da cabeça. Em vez de lhe perguntar o significado das palavras, aprendia a escrever, guardava tudo e a folha de papel era como uma caixinha. Era como se a minha cabeça entornasse coisas para dentro de uma caixinha. Quis ir à escola aprender aquela magia. Ali comecei a coleccionar as minhas primeiras palavras. A ter com a escrita e com o texto uma relação fantasista em que a realidade era composta por coisas que nem toda a gente vê. Cada um tem que procurar as suas invisibilidades.”

“A dada altura percebi que as minúsculas ligam o texto, aceleram-no, precipitam o leitor. As vírgulas ficam menos virguladas e os pontos menos pontuados. Então as pausas tendem a ser mais breves. Há uma aceleração que se junta a uma certa urgência da história. O leitor fica sem travões.”

“A hipótese de fantasiar ainda mais a minha vida foi-me permitida pela prosa.”


valter hugo mãe, Jornal Público, Agosto.01.2008

1 comment:

Anonymous said...

muito lindo e digno de meditação. Este homem sabe escrever. Recomenda-se.